sexta-feira, 26 de outubro de 2012


Reflexos de um palhaço

Incrível como nós não damos importância para os pequenos detalhes da vida e vivendo num olhar próximo quase vendado conseguimos ver apenas o que está distante, tomados por essa quase cegueira nem percebemos quando as pessoas estão se aproximando ou se afastando de nós. Até mesmo nosso próprio reflexo passa a ser um estranho invisível e imperceptível nesses momentos.

Um palhacinho olhou num espelho e pensou:

Porque será que eu tenho esse reflexo de palhaço?

Essa cara pintada!

Essa boca grande!

Esse nariz vermelho!

Esse olhar inocente e curioso!

Essa roupa enfeitada e esse cabelo colorido!

Olhou e sorriu dizendo:

- Talvez eu seja o reflexo da alegria e da felicidade!

Olhou profundamente para o reflexo do espelho e falou:

- Eu queria ter um amigo. Vem brincar comigo!

O reflexo ficou confuso com aquela atitude estranha do palhacinho o chamando para brincar. Como saber quando um palhaço esta falando sério ou apenas brincando? Logo respondeu:

- Vamos brincar do que?

- Brincar de adivinhar pensamentos.

- Eu só vou brincar, se você prometer que não vai brigar comigo.

- Eu prometo! Mas agora tente adivinhar no que eu estou pensando.

O reflexo saiu do espelho, olhou para o palhacinho como se estivesse olhando para si mesmo e logo eles começaram a brincar. Com a voz bem leve o reflexo falou:

- O pensamento é leve como o vento e com um pequeno sopro da imaginação é levado para longe, corre ligeiro como um raio e tem o dom de fazer os olhos brilharem como pequenas estrelinhas num céu de dúvidas. Você está pensando em brincar como qualquer criança, por isso que me chamou para brincar com você.

A precipitação do reflexo na resposta foi o condutor ideal para levá-lo ao erro. Mas como poderia o reflexo errar o pensamento do seu próprio personagem?

- Você errou. Vem comigo!

Se o reflexo prestasse ao menos um pouquinho de atenção naquele local, saberia que se tratava de um camarim, onde o real perde os sentidos e a arte dá suas primeiras pinceladas de transformação na criação.

O palhacinho atravessou uma cortina escura levando junto seu reflexo e entrou num palco rodeado de espelhos com uma grande plateia à sua espera.

O reflexo nunca tinha visto tanto espaço para brincar, assim imitava todas as ações do palhacinho que atuava olhando para ele e tentando diverti-lo.

Cada espelho possuía um formato totalmente diferente, dando um contorno totalmente diferenciado a cada reflexo, que parecia estar presente naquele palco causando um confronto inevitável de personalidades diferentes.

O palhacinho fazia caretas e cada espelho refletia a imagem à sua própria maneira. Aquela divergência extrema de figuras estranhas fazia com que a plateia caísse em gargalhadas. Tantos gestos e uma variação enorme de brincadeiras se multiplicavam naturalmente sem uma pequena pausa.

Foi nesse momento que o verdadeiro reflexo do amigo se sentiu traído e resolveu se retirar do palco. Ficou nítida a reação do público vendo um reflexo deixar o espelho e partir em retirada. A cada espelho que o reflexo passava as imagens se misturavam, até atravessar novamente a cortina rumo ao camarim e voltar ao seu verdadeiro lugar de origem.

O palhacinho se espantou e foram tantas figuras de espanto que o público se assustou. A cena foi espontânea e rápida, pois o palhacinho também saiu correndo do palco, atravessou a cortina e as figuras dos espelhos perderam a vida, também perderam seus reflexos e aquelas personalidades diferentes pararam de existir.

Ele atravessou a cortina totalmente desequilibrado e feroz atrás do seu próprio reflexo. Cego em seu raciocínio e frente a frente ao espelho do camarim passou a discutir com seu próprio reflexo. Nenhuma resposta foi refletida pelo espelho, era como se ele estivesse discutindo sozinho e aquela solidão parecia um abraço fatal do abandono.

O palhacinho olhou para o teto do camarim, onde tinha um grande espelho sem imagem e perguntou:

- Você esta escondido aí?

- Sim! Mas não brigue comigo. Você prometeu!

- Então aparece que eu preciso ver você novamente.

O palhacinho se aproximou do grande espelho que havia no teto do camarim e novamente viu seu reflexo, mas agora muito mais atento aos detalhes, que valorizavam o formato do seu pequeno rosto pintado e logo perguntou:

- Por que você me abandonou no palco?

- É que naquele momento você parecia ser outra pessoa, seus gestos faziam com que seus reflexos fossem diferentes e isso me assustou.

- Eu estava apenas atuando no palco e para isso tenho que assumir a figura de outros personagens. O que você viu no palco foram apenas os reflexos da minha arte de atuar e o que você esta vendo agora é o reflexo da minha arte de viver, que não passa de apenas um garoto solitário e carente de um grande amigo por perto. De hoje em diante usarei apenas um espelho no palco, desta maneira atuaremos juntos em cada cena e em cada detalhe.

Nunca mais o palhacinho atuou sozinho, enquanto ele corre no palco, seu amigo corre no espelho. Será apenas seu reflexo atuando no espelho? Acho que não, pois como poderia ser o seu reflexo, se a cor de suas roupas são diferentes. Tem mistérios que acontecem no palco que só os segredos da arte são capazes de explicar.

Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de vaga-lumes
Para manter os pensamentos iluminados

sábado, 8 de setembro de 2012






Paulinho e a boneca de pano


Fica aqui uma pergunta jogada ao ar:

Existe um momento na vida mais lindo do que a infância?

É fácil responder essa pergunta, basta olhar a felicidade de uma criança com tão pequenas coisas e é dessa beleza inocente com pureza de viver que nasceu a lenda de Paulinho e a boneca de pano, mas primeiro temos que conhecer Paulinho e não se espante, pois ele também é um boneco. Sim! Um boneco feito de madeira velha e que vivia como uma marionete manuseada por um contador de histórias.

Toc...toc...toc...Lá vem Paulinho agarrado em suas cordas! Incrível como ele vem feliz em suas passadas, num caminhar arrastado de quem ainda não aprendeu a andar direito, por isso se apóia nas cordas que às vezes estão esticadas e outras vezes bambas fazendo com que ele perca o equilíbrio.

A vida parece não passar para ele. O tempo! Esse sim não dá tréguas mesmo ele sendo de madeira, mas isso não faz diferença, pois sua cabeça dura não consegue pensar. Seus olhos são incapazes de enxergar. Se falarem à sua volta é indiferente, já que seus ouvidos são de madeira e sem coração não há sentimentos e nem emoção.

Agora que todos conhecem Paulinho, fica fácil entender porque ele é feliz com tão pouco. Aquelas cordas manuseadas são a sua vida, são elas que ditam seu destino, seu caminho e seus movimentos. Depois de tanta felicidade no final da cena as cordas são largadas e sem as mãos do manuseador Paulinho fica imóvel, abandonado, incapaz de movimentos, sem pensar e sem vida.

Ao lado de Paulinho havia uma boneca de pano. Uma daquelas bonecas feita de retalhos cheia de detalhes e mesmo não sendo uma boneca normal, ela não é como ele. Seus movimentos não necessitam de cordas e sim das mãos, pois ela é um lindo fantoche com vestidinho de babados carregando nos cabelos negros uma pequena estrelinha rosa que não brilha. Seus olhos também não enxergam e ela por mais que tente não consegue ouvir. Mesmo sendo linda, sua cabeça de pano é incapaz de pensar e sem coração também desconhece os sentimentos e as emoções.

Eles se conheciam em pequenos momentos, atuando em encontros casuais involuntários, nas cenas em que seus manuseadores lhes davam uma pequena oportunidade de viver dialogando, às vezes até juntinhos, porém nada disso fazia diferença, uma vez que eles não tinham estímulos próprios.

Eles eram tão felizes. Maldito o dia que lhes deram coração!

O coração é onde nascem os sentimentos, que depois são bombeados pelo corpo por meio das artérias causando uma sensação estranha, a qual nos faz arrepiar nos momentos de sentimento e emoção.

Paulinho ganhou um coração que espontaneamente lhe trouxe a emoção de viver, agora a vida tinha cores e as palavras pareciam doces tão saborosos que pareciam insaciáveis. A sua vida encontrou um sentido e ele não queria mais ficar inerte no tempo. Toda aquela felicidade de estar vivo durou muito pouco tempo, pois ele percebera que era um escravo daquelas cordas, elas não o deixavam viver, pois amarravam seus braços e pernas limitando seus movimentos e restringindo seus espaços. Ele não aceitava o que estava acontecendo e sofria, pois havia tanta beleza naquele mundo tão grande e ele estava confinado a sofrer.

Jogado num canto ele parecia não ter vida, porém sua cabeça continuava dura, mas agora pensava e sem entender o que estava acontecendo lamentava:
- Que vida ingrata! Não consigo me mexer, apenas observar e esperar! Paulinho nem imaginava que tudo iria piorar.

A vida segue imparável e incansável fazendo tudo se movimentar à sua volta e foi num desses momentos que ele escutou pela primeira vez o nome da boneca que fez seu corpo arrepiar. Aquele coração que colocaram em seu peito passou a ser dono dos seus pensamentos trazendo uma vontade descontrolada de se aproximar dela, chegar pertinho e matar aquela carência de carinho.

Trancinha era uma boneca linda e em seus movimentos parecia dona de suas vontades. Ela se exibia fazendo poses, abusando nos movimentos dos cabelos e com brilho no olhar, até a estrelinha em seus cabelos também começou a brilhar, porém não demorou muito para ela perceber que também era prisioneira, seus movimentos eram dependentes daquela mão e fora de cena também ficava imóvel.

Os dois jogados sobre a mesa, distantes e apenas trocando olhares incapazes até de piscar, mas condenados a chorar um choro sem lágrimas, mas sentido numa alma aprisionada no momento em que lhe deram corações. Essa angústia, tristeza, ansiedade e incapacidade viraram ódio.

Paulinho decidira não obedecer mais aos movimentos dos cordões. Agora ele agiria de acordo com as suas próprias vontades e se negaria a fazer qualquer movimento do manuseador, a partir desse momento ele faria a sua própria história.
A cena começa e Paulinho desobedece. Ele mantém-se parado e se opondo às vontades das cordas. Como suas forças contrarias não eram suficientes para realizar os seus desejos, ele resolveu ir além: Agarrou se às cordas, subiu pelos cordões até a mão do artista e no momento em que estava subindo no corpo dele, Paulinho conheceu o outro lado da vida, a crueldade humana. Toda aquela rebeldia causou um descontrole e susto do contador de histórias que o lançou longe, jogando-o ao chão e o desmontando em pedaços.

Trancinha observou toda aquela cena trágica, que deixou a sua cabeça de pano confusa, pois presenciara tudo sem entender, para ela aquela cena era parte da história. Então por que destruíram Paulinho! O que ele fizera de tão mal?

Pelas vidraças da janela aberta entrava os raios de sol quente iluminando o boneco aos pedaços. Enquanto Paulinho era aquecido pelo sol seus olhos brilhavam e à medida que os raios partiam deixavam na sombra apenas pedaços de madeira sem vida.

A vida era muito complicada para Paulinho. Agora Trancinha vê apenas seu corpo dependurado, amarrado pelas mãos e pés como um prisioneiro, porém isso não o faz infeliz, já que seu coração não funciona mais e as cordas são a única esperança de um dia voltar a viver, nem que seja apenas um momentinho ao lado dela.

No olhar eles se encontram, no pensamento também, mas na história que foi escrita para eles, aquela em que eles vivem correndo e brincando o final é sempre o mesmo. Separados e distantes.

Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de vaga-lumes


domingo, 13 de maio de 2012




Rabiscando nuvens


A última coisa que me lembro é perceber o mundo girando e desequilibrando minha estabilidade, fazendo de mim um ser desgovernado prestes a sofrer um acidente. A percepção se perdeu levando o ponto de equilíbrio e apagando o raciocínio momentâneo.

Os dias passaram e eu não vi. Os ponteiros do relógio giraram se encontrando várias vezes e eu nem percebi. Onde eu estava nesse tempo todo que formou uma caixa de vácuo transformando o meu ser num estado fragmentando sem a sequência das minhas próprias lembranças.

Foi abrir os olhos e novamente ingressar na locomotiva desgovernada da vida que empurra uma geração e descarta a outra como se fosse rascunho de um livro interminável da vida e tudo que foi criado não serve mais para a nova geração.

O que deixa mais confuso o meu pensar é que não há ninguém ao meu lado e já que estou solitário vou repassar fragmentos da minha memória e tentar desvendar instantes antes desse apagão.

Não entendo porque uma frase que um dia um escritor louco chamado ZzipperR escreveu permanece incessantemente refletindo no meu pensar, chega até a cansar. A frase é esta:

“A noite foi feita para os loucos, só eles têm coragem de mergulhar nas profundezas dos sonhos sem medo de errar”

A última coisa que me lembro é estar sentado ao lado de um contador de histórias verídicas acontecidas em uma cidade misteriosa chamada Baguaçu. Ele olhou para o céu e falou:

- Hoje o dia começou lindo! De manhã o céu estava totalmente limpo, logo depois ficou decorado com um fundo de nuvens escamadas muito altas.

Ele falava e eu olhava para o céu, me perdendo na beleza infinita e natural da tela daquele quadro infinito, mas bem produzido e definido parecendo esperar o rabisco de algum desenho, podemos dizer que seria a tela de um quadro pronta e esperando a expressão do artista.

Rapidamente a frase do poeta começou a fazer sentido, então mergulhei nas profundezas do sonho sem medo de errar. Com os olhos fechados segui cada palavra pausada que o velho falava me conduzindo até a tela, onde começamos a rabiscar nuvens.

Primeiro ele rabiscou uma nuvem que criando vida foi levada pelo vento atravessando lentamente aquela longa tela linda e azul. Depois falou: - Tente definir essa nuvem?

- Ela forma a figura de um cachorrinho correndo.

- E esta outra nuvem?

- Essa nuvem trás os traços de uma menina correndo atrás do cachorrinho.

- Agora tente você rabiscar uma nuvem!

Rabisquei a figura de uma menina e perguntei: - Tente interpretar esse quadro? Ele falou:

- É a figura de uma flor.

- Perfeito! Agora tente este e fiz apenas um traço horizontal no céu azul.

- Este é você caminhando em seus pensamentos.

Abri meus olhos e estava sozinho. Não sei se o contador de histórias estava realmente ao meu lado, nem se a cidade misteriosa existia, mas continuei focado profundamente no sonho.

Como posso recordar de uma situação, se tenho dúvidas da realidade? Logo escutei:

- Tente interpretar essas nuvens que estou rabiscando!

O homem tocava o fundo azulado e pequenas nuvens em formato de coração surgiam, depois rabiscou a figura de uma garota.

- Esta é a nuvem do amor!

A cada movimento da nuvem trazida pelo vento ela ficava maior, tão grande que parecia querer me abraçar.

Ele rabiscou uma nuvem escura.

- Esta é a nuvem do ódio!

Quanto mais próxima a nuvem chegava, mais escurecida e assustadora ficava, tão feroz que lançava raios e trovões a uma longa distância.

Foi só o contador de histórias perceber que eu estava assustado, que ele passou a mão no céu e apagou tudo, deixando estampado apenas um azul borrado de nuvens passageiras.

Senti meu rosto queimando pelos raios solares ardentes e abri meus olhos, realmente o homem não estava ao meu lado, mas senti um beijo gostoso de alguém que estava sentada bem juntinha a mim falando:

- Você está levando a frase desse poeta muito a sério, melhor não penetrar tão profundamente no sonho, pois você pode se perder nele e não encontrar o caminho de volta. Isso poderia me deixar muito triste sabia!

- Refletindo bem na frase do poeta, chego à conclusão de que eu realmente sou um louco.


Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de vaga-lumes

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Momento mágico


Momento mágico

No palco da vida atuamos em nossos papéis diários, num texto cotidiano onde tudo muda a todo o momento. No texto que a vida escreve com a habilidade de um mestre, nos reserva surpresas boas e más, porém um dia Deus reservou uma inesquecível para mim e para a Abelhinha.

A arte é mágica e nós somos dois palhaços atuando com amor, assim a nossa força do amor atraiu um momento mágico, reservando as pessoas certas para nosso espetáculo.

A Abelhinha chegou voando com um convite na mão, pedindo que fizéssemos uma festa surpresa para umas crianças no dia das crianças. Como somos palhaços aceitamos imediatamente, porém pediam que fôssemos vestidos de palhaços.

No dia do espetáculo eu vesti de palhaço e a Abelhinha vestiu de palhacinha com uma maquiagem maravilhosa, pois não sabíamos quem eram as crianças e fomos de coração aberto para o palco que aquele dia a vida nos reservou.

Nossas mochilas estavam carregadas com pirulitos e os bonecos para divertir as crianças e ensiná-las a viajar no mundo da magia com o carinho e a habilidade que a arte proporciona.
Colocamos tudo dentro do carro e seguimos para o local definido apenas com o endereço. Não sabíamos mais nada, éramos dois palhaços lançados à sorte no palco da vida pela arte.

Chegando ao lugar indicado tremi, pois era uma casa beneficente de crianças especiais. Um desafio para grandes atores, o momento de mostrar que sabemos atuar e para isso tivemos que entrar no mundo deles, sair do nosso mundo materialista, individualista e mergulhar no amor, no carinho e na atenção de crianças brilhantes.

Olhei para a Abelhinha, aquela linda palhacinha, toquei com a minha mão em seu rosto, demos um beijo de palhaços e eu falei:

- A hora é essa! O show vai começar:

Facilitamos o máximo possível para que as crianças participassem do espetáculo e começamos a pintar o rosto delas. Os meninos com bolinhas coloridas e as meninas com flores brilhantes e lindas. Cada rosto maquiado saia daquele mundo e voava na arte, transformando- se em verdadeiros artistas, porém um garoto deficiente visual se aproximou da abelhinha e falou:

- Eu quero ser palhaço também.

- Então você será um lindo palhacinho. Ela fez uma maquiagem maravilhosa nele e eu sentia que alguma coisa especial estava para acontecer.

A Abelhinha os ensinava a fazer arte com bexigas, fazendo cachorrinhos, capacetes, corações e pássaros. Elas chegavam a gritar de felicidade enchendo as bexigas coloridas. Quase chorei vendo a atenção e o amor deles pelos que não tinham possibilidades de chegar até as bexigas. Eles compartilhavam a alegria e a felicidade, levando bexigas para os outros e chegou a hora da história com os bonecos.

Eles participaram ajudando a montar o palco e depois de tudo montado, um deles veio até mim e falou:

- Palhaço! Deixa-me ser um boneco?

Olhei e vi que ele era um deficiente visual e não enxergava nada.

- Deixo! Mas vou te ensinar. Preste atenção!

- Segura essa madeira. Você vai manusear o boneco na história, segura com a mão esquerda no canto do palco para você controlar a distância. Você vai ser o personagem principal e se eu falar: O menino está saindo da casa, você volta com ele para o palco. Certo?

- Certo!

A Abelhinha participava de cada movimento do garoto, desde a preparação até no ato da cena falando para ele assim:

- Quando o palhaço começar a contar a história, você manuseia o boneco como você imaginar que é a cena.

A história era ouvida com atenção! Pareciam vivê-la! Estar dentro da história e o garoto manuseava a marionete como se fosse ele, como se estivesse enxergando e durante o transcorrer da história, não saiu com o boneco uma vez do palco, parecia viver naquele espaço há anos.

O espetáculo terminou e eles fizeram questão de guardar os bonecos com cuidado e atenção, como se estivessem guardando algo precioso, que invadiu seus corações e suas lembranças para sempre. Após terminarem o garoto deficiente visual me abraçou e falou:

- Palhaço! Como é o nome do boneco da história? Você não falou o nome dele nenhuma vez, apenas falava que ele colecionava folhas.

- Ele não tem nome. Pode ser qualquer um, até você.

- Eu queria que ele tivesse um nome.

- Certo! Então você coloca um nome nele.

- Eu queria que ele tivesse o meu nome.

- Vamos colocar um nome nele. Qual é o seu nome?

- Jesus.

- De hoje em diante, o colecionador de folhas se chamará Jesus.

Agora vamos nos despedir estourando bexigas, que é para dar sorte e a gente voltar aqui mais vezes.

Todos começaram a estourar bexigas numa gritaria de felicidade inexplicável, com seus rostos maquiados, numa cena teatral, sem ensaios e numa atuação perfeita que o espetáculo da vida proporcionou.

Antes de ir embora falei:

- Agora vocês também são atores e podem fazer seus próprios espetáculos, basta deixar a imaginação fluir e a história sairá junto proporcionando o espetáculo perfeito.

- Vamos Abelhinha! Chegou a hora de voar, pois hoje a alma está mais leve e pura, carregada de carinho e amor puro.

O palhacinho se despediu tocando o meu rosto como se estivesse desenhando em um papel, depois tocou o rosto da Abelhinha, sorriu e se despediu.

Saímos daquele lar, deixando os atores atuando no palco e nós éramos apenas telespectadores da vida que acabaram de assistir um grande e excelente espetáculo, levando como bagagem experiência, ensinamentos e lição de vida, provando que a felicidade está além do que imaginamos.

Obrigado arte! Por mais esse momento mágico.

Um beijo de palhaços.


Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de vaga-lumes
Para iluminar pensamentos

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Caminhando no lado misterioso da vida






Caminhando no lado misterioso da vida


Sonhando acordada num jeito misterioso de viver, ela imaginava um sol enigmático, talvez pelo seu jeito místico de acreditar nas forças externas, tal crença enriquecida em seus objetivos fortalecia mais e mais sua crença na relação futuro e figura, num pacto pessoal centrada e acreditando friamente nos poderes ocultos e atração não só dominadora, mas também previsora como um feche de luz capaz de revelar o que está escrito no mundo escuro do futuro.

Ela percebeu que no movimento intercalado das relações de previsão e realidade, havia uma onda diferenciada de resultados favorecendo um jogo de insinuações providas de impulsos de desejos inseguros e vontades obscuras.

Ela não estava insegura, apenas balançava a cabeça e as mãos relaxando a tensão do corpo e da mente após receber as previsões contidas nas cartas.

Se outra pessoa me contasse, eu não acreditaria, mas foi ela que me contou, já que não era um sonho e sim uma maneira de manusear o desconhecido, um meio sedutor e curioso de ultrapassar os obstáculos descartadores que estão escondidos no universo ao mesmo tempo sedutor e cruel, no qual estamos localizados querendo pegar tudo que está ao nosso alcance e por outro lado somos focados por outros com o mesmo desejo.

As dúvidas na vida da garota começaram a partir do momento em que ela conheceu uma velha cartomante, que era uma mulher serena no equilíbrio das palavras, porém trazia um olhar astuto como de uma raposa na guarda da sua ninhada.

Os segredos evocados na leitura das cartas eram profundos, carregados e temperados num tom do além, parecendo ser produto de uma força maior que a própria verdade, ou seja, trazia um poder sobrenatural de colher fontes futura como se estivesse colhendo frutos maduros em uma árvore da vida.

Olhando aquelas cartas compridas e velhas sendo manuseadas pelas mãos hábeis daquela cartomante parecem ser inofensivas e mesmo parecendo estar segura naquela consulta divinamente proibida, alguma coisa a assustava, pois aquelas cartas compridas e velhas pareciam ter sido usadas por uma eternidade de tempo, já que estavam gastas, desbotadas e até rasgadas.

Que poderes estariam escondidos naquelas figuras? Uma vez que era impossível escolher a carta previsora do destino, mesmo porque elas eram retiradas aleatoriamente, uma a uma, tal quais os dias que com suas diferenças envolve-nos em suas instabilidades.

Pensar que os conflitos da vida dela começaram em cartas embaralhadas por uma cartomante seria um erro, primeiro que não eram simples cartas, não tinha como duvidar, tudo estava escrito nelas. Segundo porque a velha cartomante lia cada detalhe e o que mais impressionava era que em cada carta havia uma figura diferente da lua descrevendo e desvendando os sentidos da vida dela em suas várias faces e fases.

Os dias rolam como a lua e esse girar constante às vezes nos deixa tontos, uma tontura parecendo quase proposital, na qual a lua com sua força magnética influi indiretamente nas nossas vidas por meio dos dias , nos conduzindo intercaladamente expostos às forças do bem ou do mal e para termos consciência de tal condução momentânea que nos domina, basta fazer uma reflexão momentânea pessoal.

A solidão e o desencanto fazem com que ela se afastasse das cartas, mas o coração a trouxe de volta, pois a paixão traidora traz em sua calda uma carência insaciável de atenção, desestabilizando momentaneamente os compassos do coração. Os dias escurecem em tempestades de dúvidas, embriagando com dificuldades e cambaleando nos passos antes firmes, porém agora medrosos e inseguros.

Há tempos ela não recorria às cartas, mas esta insegurança no amor gerou um estado de desconfiança insuportável, no qual o ciúme corrói os pensamentos e as atitudes, consequentemente toda essa agonia a levaram de volta às mãos da velha cartomante.

Se antes o local era assustador, agora é muito mais, pois parecia estar esquecido pelo mundo, já que havia apenas uma mesa e pouca luz, nem as cortinas eram abertas, porém não era isso que interessava à garota, ela queria informações além da sua visão.

A velha cartomante sentou-se calmamente à mesa, serena e com toda a tranquilidade abriu a gaveta e pegou as velhas cartas misteriosas. No exato momento em que as cartas foram pegas, algumas caíram de sua mão sendo imediatamente ignoradas pela mulher, como se não fizessem parte do destino ou fossem descartadas pelo próprio futuro.

As velhas cartas são embaralhadas tranquilamente como se tudo já estivesse previamente escrito. A primeira carta é retirada e colocada sobre a mesa, nela estava estampada a lua plena e bela, cheia de vida entre as nuvens e uma rareada neblina. Ela faz uma pequena observação na carta e interpreta em poucas palavras:

- Houve um pequeno espaço de tempo em que você permaneceu sozinha e reservada, mesmo assim estava radiante e feliz, porém agora quer abrir as cortinas do futuro.

Outra carta foi retirada e colocada na mesa, uma carta velha e rasgada faltando um pedaço. Nesta carta a lua mostrava apenas metade do rosto, parecia manter-se escondida observando a figura de um sol com raios frios e congelados.

- Você está apaixonada por alguém, porém a distância impede de sentir o seu calor.

- Está faltando um pedaço da carta. Como vou saber o que estava nesse pedaço?

- A carta é explícita e clara. Essa parte você já conhece, ou seja, é a terceira figura.

- Então é certo que existe a terceira figura?

- Você sabe a resposta, agora vou virar a última carta.

Outra carta rasgada faltando um pedaço, nela a lua estava crescente e brilhante, o sol timidamente lançava raios de calor sobre ela, porém faltava quase metade da carta.

- Ele gosta de mim?

- gosta.

- E o restante da carta? Como vou saber o que tinha na parte que falta?

- A carta é transparente nos segredos da vida, se não é mostrado, é porque você sabe o que está lá.

- Leia mais uma. Por favor!

- Não posso! Se eu fizesse isso, estaria traindo o meu pacto com o futuro oculto.

Ao levantar da mesa uma carta caiu da mão da velha cartomante, talvez por dificuldade e deficiência dos movimentos das mãos idosas e doentes. Ela imediatamente falou para a garota:

Não pegue essa carta! Porém a garota aproveitando a oportunidade rapidamente se apossou da carta e quando olhou, viu que havia apenas a figura da lua, o sol havia desaparecido de seu futuro.

Ela olhou profundamente para os olhos da velha cartomante e falou:

- A senhora é uma mentirosa! Eu não acredito nessas cartas velhas e rasgadas. Eu devia jogá-las no lixo. Depois se levantou, pegou sua bolsa e saiu apressadamente daquela casa misteriosa e escura. Ela caminhou durante um tempo e resolveu voltar para pagar e pedir desculpas.

Num pensamento confuso em idéias embaralhadas ela voltou à velha casa, ao chegar encontrou apenas a casa velha e abandonada. Não havia ninguém na casa. Qual seria a verdade de tudo aquilo?

Sem encontrar ninguém, ela foi embora caminhando pela calçada, na qual se encontrava uma mulher velha pedindo esmolas, passou sem dar atenção, depois parou, pensou e voltou. Ao chegar àquela senhora, tirou dinheiro da bolsa e entregou nas mãos dela dizendo:

- Aqui está o pagamento da consulta às cartas. Agradeceu e foi embora.

Paulo Ribeiro de Alvarenga
Zip...Zip...Zip...Zzipperr