sábado, 18 de junho de 2011

Um samurai que veio de longe




Um samurai que veio de longe



Desde pequeno fico imaginando como são as famílias, seus jeitos de agir, costumes, tradição e cultura, porém toda essa salada de idéias chocadas com a realidade social vivida pelas pessoas me faz concluir que somos como peças de dominós enfileiradas, uma a uma, seguindo uma fila invisível que não pode ser furada e cada peça somente pode ser derrubada pela morte, cada um tem seu tempo real para aceitar ou não essas regras impostas pela raiz de linhagem e o direito de transformá-la de acordo com suas próprias verdades ou afeições tanto carnais como espirituais, porém todas nossas verdades se perdem no tempo a partir do momento em que nossa peça é derrubada ficando caída, morta e esquecida para trás.

Há momentos na vida em que a gente sofre um choque cultural, esse impacto é capaz de mudar nossa forma de pensar e decidir sobre nossas crenças adotando nossas próprias verdades. Um dia isso aconteceu comigo e me transformou, fato que penetrou como uma cunha em toda a minha aprendizagem familiar.

Pensando bem, para que a vida evolua é necessária a miscigenação das raças, esta mistura de comportamentos foi a maneira que a vida encontrou para evoluir modificando tradições e costumes de uma sociedade estanque e egoísta.

Somos frutos de tradições diferentes, nascemos, crescemos e absorvemos seus ideais.
Um menino que gostava de correr com seu cachorro pelas ruas, assim eu vivia feliz com a inocência de um garoto que não tinha consciência dos costumes estabelecidos pelos pais e envolvido com ambos formei minha própria cultura, desta forma de viver estabeleci meus próprios limites, sempre amparado no cotidiano do amor familiar.

Certo dia, depois de brincar o dia todo jogando bola na rua de terra, eu voltava para casa totalmente sujo e despretensioso quando fui abordado pela Dona Maria japonesa, ela era uma senhora idosa que me perguntou:

- Paulinho! Você pode me ajudar a ajeitar o meu quintal?
Eu olhei aquele quintal desarrumado, uma bagunça sem fim e aceitei ajudá-la no dia seguinte. Parece até cultura japonesa esse jeito de viver, porém tudo mudou depois de vários dias limpando aquele quintal.

Coisas e coisas jogadas fora, algumas a Dona Maria nem sabia que ainda existiam. Terminamos e a casa ficou linda, parecia até maior e foi nesse momento que a minha cultura também mudou, pois a japonesa velhinha saiu da casa com um quadro na mão, uma obra de arte totalmente artesanal feita de retalhos, no qual havia um guerreiro samurai sentado em um peixe. Ela me deu o quadro e falou:

- Leve esse quadro para você! Eu o fiz no Japão quando tinha nove anos. Era uma tradição de família. Ele traz sorte e paz para junto de nós, mas já estou velha e preciso que alguém cuide dele, para isso acho que você é a pessoa certa. Pegue! Ele agora é seu.
Eu olhei aquele samurai que veio de longe, do outro lado do mar e fiquei muito feliz, não conseguia conter a minha alegria e o levei para casa.

A cultura da família da Dona Maria agora fazia parte da minha cultura. Nem vi os anos passarem e levá-la embora daquela casa, nunca mais eu tive noticias dela, porém sua cultura sempre esteve presente nos meus dias.

Toda vez que olho para aquele samurai pendurado na parede tenho saudades dela e uma sensação de certeza de que o dia será bom, feliz e tranquilo, isso me traz alivio no coração e na alma.
Mesmo depois de muitos anos passados, a cultura que aquela velha senhora trouxe de tão longe, seja da distância do outro lado do mar ou do tempo da sua infância ainda influencia a minha vida, meu jeito de agir, de pensar e de viver.



Zip...Zip...Zip...ZzipperR.
Paulo Ribeiro de Alvarenga

domingo, 12 de junho de 2011

Luar selvagem



Luar selvagem

A noite fria faz a minha pele arrepiar e a limitação do campo de visão desestabiliza a sensação de segurança, desta maneira temos a impressão de que alguém está nos seguindo e vai nos atacar a qualquer momento. O pior é nunca temos a certeza se o ataque será desse mundo ou do além, pois são criaturas que se aproveitam da escuridão para praticar o mal.

A noite clara trás uma grande lua prateada e essa sensação de medo me faz subir em uma árvore permanecendo quietinho em um galho, do qual consigo avistar a rua de terra sendo engolida pela escuridão densa da mata que me assusta fazendo barulho com o sopro do vento.

Os poderes da lua penetram na mata transformando tudo. Chegou à hora dos predadores saírem para a caça e essa insegurança me deixa em pânico. Mas quem é a presa? Nessa mata escura todos nos transformamos em presa! Cuidado!

A lua maldita lança seus raios em mim e meu corpo começa a arrepiar me transformando em lobo. Finco as garras na árvore e foco meu olhar selvagem na rua de terra à espera de uma vítima, meus olhos vermelhos parecem dois focos de fogo na escuridão e foi nesse momento que ela passou rapidamente como uma gata pela rua e sumiu na mata.

Saltei do galho e fui atrás dela, porém mesmo naquele negrume sombras passavam cruzando o meu caminho. Eu não conseguia definir se eram sombras das nuvens refletidas pela luz da lua ou uma emboscada espreitando a trilha de terra à espera de uma caça.

Num jogo de paciência permaneci estático apenas observando o movimento da mata e num piscar de olhos percebi a gata sair em disparada do seu ponto de camuflagem correndo rua de terra abaixo, logo atrás havia uma sombra a seguindo enquanto eu farejava no ar o cheiro gostoso dela, atento aos movimentos continuei atrás deles, mas mantendo uma distância segura com medo de ser uma arapuca tramada para me capturar.

A escuridão tem o dom de fazer os ponteiros do tempo caminhar lentamente em nossa percepção, com isso as noites parecem mais longas e o cansaço abraça o nosso corpo com braços fortes e quanto mais lutamos contra o sono piores ficam nossos reflexos.

Rapidamente a perdi de vista no meio daquela cortina de neblina misturada com a escuridão. A minha respiração ofegante e cansada diminuía o foco da minha visão e o vento forte e gelado apenas contribuía para atrapalhar a direção a ser tomada. Tanto tempo de perseguição e a noite começou a perder suas forças, assim pude avistar seu esconderijo.

Amanhecia e eu entrava no esconderijo da gata, já me encontrava frente a frente com ela e o dia clareava. Com os olhos fixos em mim ela se aproximou, tocou suas garras em meu rosto e chegou bem próxima da minha boca, eu sentia a sua respiração quente como se aquele lugar fosse o esconderijo do amor, porém eu teria chegado tarde demais.

As gotas de sereno começaram a cair sobre o meu corpo funcionando como antídoto imediato contra minha magia, onde pingava e escorria as gotas o mundo paralelo perdia suas forças dando lugar ao mundo real e a forma humana reaparecia imediatamente. Eu apenas ouvia o som de sinos do lado de fora da gruta, nesse momento confuso apenas a vi correr rua de terra acima e sumir na mata dos sonhos.

Saí da gruta e encontrei uma vaca tranquila em sua caminhada do lado de fora. Ela parecia nem dar atenção ao ocorrido naquele lugar, abracei o lindo animal e caminhei com ele na estrada de terra escutando o tocar do sino amarrado em seu pescoço...Tilim...tilim...tilim...tilim.....

Tem alguma coisa oculta nessa mata, pois havia uma sombra seguindo a gata. Essa conclusão me deixou aflito e com medo sentindo que alguma coisa estava escondida e nos observando. Fiquei com medo. Senti meu corpo arrepiar e falei:

- Melhor sairmos rápido dessa mata....

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Paulo Ribeiro de Alvarenga

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Um pé de Umarizal



Um pé de Umarizal

Naturalmente o tempo modifica o espaço manuseando-o com as mãos da natureza. O material usado na perfeição do acabamento da obra unifica a arte tornando-a excepcional e maravilhosa, um trabalho provido de uma fusão de fenômenos naturais, como a chuva, o sol, a escuridão da noite e a degradação humana.

Um olhar para o sol e a vibração do vento com sua música quase silenciosa abre as cortinas do tempo, os movimentos dessa brisa suavemente gelada desperta a nostalgia da alma abrindo vagarosamente os olhos da memória, que se encontravam inerte durante quase toda a vida.

O destino semeou um espaço em meu caminho, no qual uma semente de Umarizal foi plantada e deu origem a uma grande árvore para que eu escalasse seus galhos em meus devaneios, dando-me a oportunidade de crescer em seus braços.

Sentado em um de seus galhos tornei-me um instrumento do seu poder e meditando como um pássaro fui capaz de me desenhar na grande árvore colhendo suas frutas. Anacé é o grande caule que permanece mesmo depois de tantos anos firme e forte, junto à sua raiz nasceu um pé de jaracatiá que dá vista para um grande campo rodeado de Eçauna, no qual muitos pássaros pousados em suas janelas podem observar tranquilamente e até pousar.

Subo no caule da grande árvore e começo a caminhar nos galhos colhendo frutos diferentes, primeiro alcanço uma Flama, a minha direita colho uma Itamanduaba, estico o braço e pego uma Quipá, subo mais um pouco e avisto uma praça toda enfeitada de Marilia, daquele galho consigo até ver as Colmeias, porém estico o braço para a esquerda e pego uma grande Guaramembé, no topo da árvore uma Maniçoba madura e uma Caranapatuba estragada, me agarro como um menino peralta e desço escorregando pelo pé de Jaracatiá até o chão do grande campo.

Desço na árvore e no tempo me tornando pequeno, revendo na memória as fotografias tiradas pelo meu olhar, fotos tiradas de uma pequena ilha formada com uma vegetação de árvores secas nascidas em uma terra preta. Aquele grande brejo de uma antiga lagoa com fama de assombrada que contorna a ilha está revelado na minha memória. Todo aquele espaço se transforma em um grande pântano capaz de prover aventuras e contar histórias verdadeiras vividas em seu passado. Histórias que foram contadas e não escritas.

Figuras de um passado que estão reveladas em um filme queimado, difícil de revelar, pois mesmo que a gente suba a trilha da Coatinga passando pela Lagoa Branca e entrando pelas Colméias, não se encontra mais a escola de madeira que deveria ter sido tombada como patrimônio histórico de um mundo perdido no tempo, tal qual muitos que caíram da grande árvore e se perderam na neblina evaporando como fumaça. Mesmo entre aqueles que quando meninos jogavam futebol no campinho de terra, ficou a infelicidade de o filme ter sido queimado na memória sem imagem para recordar.

As grandes árvores da praça, a piscina seca, a ilha, o pântano, as histórias de assombração, o campinho de terra, os amigos e a escola de madeira viraram um filme queimado por aqueles que fotografaram com o olhar, porém não foram capazes de revelar na memória. Um passado deixado para trás e excluído no tempo.


Paulo Ribeiro de Alvarenga
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