domingo, 13 de maio de 2012
Rabiscando nuvens
A última coisa que me lembro é perceber o mundo girando e desequilibrando minha estabilidade, fazendo de mim um ser desgovernado prestes a sofrer um acidente. A percepção se perdeu levando o ponto de equilíbrio e apagando o raciocínio momentâneo.
Os dias passaram e eu não vi. Os ponteiros do relógio giraram se encontrando várias vezes e eu nem percebi. Onde eu estava nesse tempo todo que formou uma caixa de vácuo transformando o meu ser num estado fragmentando sem a sequência das minhas próprias lembranças.
Foi abrir os olhos e novamente ingressar na locomotiva desgovernada da vida que empurra uma geração e descarta a outra como se fosse rascunho de um livro interminável da vida e tudo que foi criado não serve mais para a nova geração.
O que deixa mais confuso o meu pensar é que não há ninguém ao meu lado e já que estou solitário vou repassar fragmentos da minha memória e tentar desvendar instantes antes desse apagão.
Não entendo porque uma frase que um dia um escritor louco chamado ZzipperR escreveu permanece incessantemente refletindo no meu pensar, chega até a cansar. A frase é esta:
“A noite foi feita para os loucos, só eles têm coragem de mergulhar nas profundezas dos sonhos sem medo de errar”
A última coisa que me lembro é estar sentado ao lado de um contador de histórias verídicas acontecidas em uma cidade misteriosa chamada Baguaçu. Ele olhou para o céu e falou:
- Hoje o dia começou lindo! De manhã o céu estava totalmente limpo, logo depois ficou decorado com um fundo de nuvens escamadas muito altas.
Ele falava e eu olhava para o céu, me perdendo na beleza infinita e natural da tela daquele quadro infinito, mas bem produzido e definido parecendo esperar o rabisco de algum desenho, podemos dizer que seria a tela de um quadro pronta e esperando a expressão do artista.
Rapidamente a frase do poeta começou a fazer sentido, então mergulhei nas profundezas do sonho sem medo de errar. Com os olhos fechados segui cada palavra pausada que o velho falava me conduzindo até a tela, onde começamos a rabiscar nuvens.
Primeiro ele rabiscou uma nuvem que criando vida foi levada pelo vento atravessando lentamente aquela longa tela linda e azul. Depois falou: - Tente definir essa nuvem?
- Ela forma a figura de um cachorrinho correndo.
- E esta outra nuvem?
- Essa nuvem trás os traços de uma menina correndo atrás do cachorrinho.
- Agora tente você rabiscar uma nuvem!
Rabisquei a figura de uma menina e perguntei: - Tente interpretar esse quadro? Ele falou:
- É a figura de uma flor.
- Perfeito! Agora tente este e fiz apenas um traço horizontal no céu azul.
- Este é você caminhando em seus pensamentos.
Abri meus olhos e estava sozinho. Não sei se o contador de histórias estava realmente ao meu lado, nem se a cidade misteriosa existia, mas continuei focado profundamente no sonho.
Como posso recordar de uma situação, se tenho dúvidas da realidade? Logo escutei:
- Tente interpretar essas nuvens que estou rabiscando!
O homem tocava o fundo azulado e pequenas nuvens em formato de coração surgiam, depois rabiscou a figura de uma garota.
- Esta é a nuvem do amor!
A cada movimento da nuvem trazida pelo vento ela ficava maior, tão grande que parecia querer me abraçar.
Ele rabiscou uma nuvem escura.
- Esta é a nuvem do ódio!
Quanto mais próxima a nuvem chegava, mais escurecida e assustadora ficava, tão feroz que lançava raios e trovões a uma longa distância.
Foi só o contador de histórias perceber que eu estava assustado, que ele passou a mão no céu e apagou tudo, deixando estampado apenas um azul borrado de nuvens passageiras.
Senti meu rosto queimando pelos raios solares ardentes e abri meus olhos, realmente o homem não estava ao meu lado, mas senti um beijo gostoso de alguém que estava sentada bem juntinha a mim falando:
- Você está levando a frase desse poeta muito a sério, melhor não penetrar tão profundamente no sonho, pois você pode se perder nele e não encontrar o caminho de volta. Isso poderia me deixar muito triste sabia!
- Refletindo bem na frase do poeta, chego à conclusão de que eu realmente sou um louco.
Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de vaga-lumes
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