Acreditar ou não? Ele caminhava manuseando seu boneco pela praça acompanhado pela menina de vestidinho amarelinho estampado com frutinhas, para atiçá-la e deixá-la furiosa ele agarrava a perna dela com o boneco, aquela encenação de atrito carinhoso os aproximava cada vez mais e ela gostava tanto que até conversava com o boneco como se ele entendesse o que ela falava. O boneco tinha o mesmo nome do menino, então resolveram mudar o nome do boneco. Eles pensaram olhando para as ondas escuras do mar noturno e não conseguiram encontrar um nome apropriado que realmente se identificasse à personalidade do boneco.
Foram até o farol caminhando pelas pedras e olhando os caranguejos tentando se esconder, foi nesse momento que ouviram uma música distante que os deixou encantados, então resolveram conferir de perto correndo pela areia da praia até a praça e de longe já avistavam de onde vinha a música. Sem carregar o boneco a menina corria mais rápido que ele chegando primeiro ao local.
Os dois chegaram cansados e o garoto colocou o boneco no chão manuseando-o automaticamente, enquanto a menina o abraçava por trás e seus olhos ficaram arregalados e impressionados com a figura do realejo, no qual um homem tocava música girando uma manivela e um papagaio tirava a sorte das pessoas em pequenos papéis coloridos.
O garoto admirava a habilidade do homem se comunicando com o pássaro que parecia compreender repetindo tudo o que ele falava.
A menina agarradinha nele encostou-se ao seu ouvido e perguntou cochichando bem baixinho. Ele sentiu como se fosse o homem e o papagaio conversando numa compreensão além da amizade, então escutou ela perguntar:
- Você acredita que o papagaio adivinha nossa sorte?
Ele deu uma pequena virada para responder e sentiu a sua boca encostar-se à boca dela e respondeu:
- Eu acredito! Ela falou:
- Eu não acredito!
O menino se aproximou do homem do realejo e perguntou:
- O papagaio pode tirar a minha sorte?
O papagaio repetiu: Sorte!...sorte!...Sorte!...Sorte!...
- Você tem que pagar.
O papagaio repetiu: Pagar!...Pagar!...Pagar!...Pagar!...
- Eu não tenho dinheiro.
O papagaio repetiu: Dinheiro!...Dinheiro!...Dinheiro!...Dinheiro!...
Parecendo ser tocado por uma varinha mágica de uma fada o menino ficou apreciando a atitude de repetição do papagaio com um sorriso num semblante de felicidade e ao mesmo tempo decepcionado de não ter a oportunidade de prever a sua sorte. Então perguntou ao homem do realejo:
- Qual é o nome do seu papagaio?
- Vitor.
- Um nome legal! O nome do meu boneco será Vitor.
A menina de vestidinho de frutinha surpresa exclamou:
- Vitor!
E o papagaio repetiu: Vitor!...Vitor!...Vitor!...Vitor!....
A menina tirou um dinheiro do bolso e falou:
- Eu pago para ver a sorte dele, também quero ver a minha e se possível a do boneco também.
O papagaio repetiu: Sorte!...Sorte!...Sorte!...Sorte!...
O homem perguntou:
- Quem vai ser o primeiro?
A menina falou para o papagaio:
- Vitor! Capricha na minha sorte e ficou pertinho do papagaio falando com ele:
- Esse bilhete não Vitor! Como se ele entendesse o que ela falava trocando de papel.
- Esse também não Vitor! Ele ia para outro bilhete, então ela falou:
- Isso Vitor! Pega esse pra mim.
O papagaio deu o bilhete na mão do homem e voltou para a gaiola, então o homem falou para o papagaio:
- Você não tem educação! Vem carimbar o bilhete da mocinha para garantir que a sorte acontecerá. O papagaio carimbou furando o bilhete com o bico. – Mais um carimbo! Ele furou de novo e o homem entregou o bilhete para a menina que preferiu ler sozinha. Entre tantas coisas escritas no bilhete, uma chamou a atenção da menina e a deixou furiosa: “Um dia você encontrará um grande amor”. Ela olhou para o garoto e pensou: Eu não acredito no que está escrito aqui e correu para ver o que sairia no bilhete do garoto.
Ela abraçou o garoto que estava com o boneco nas costas, parecendo que o boneco estava mais ansioso que o garoto enquanto ele falava com o papagaio:
- Vitor! Vem pegar a minha sorte!
O papagaio repetia: Vitor!...Vitor!...Vitor!...Vitor!... E o garoto dava risada.
O papagaio chegou à porta da gaiola, pegou um bilhete e o menino falou:
- Carimba pra mim Vitor segurando o bilhete na mão! O papagaio carimbou furando o bilhete com o bico duas vezes e a menina falou:
- Deixe-me ler o seu bilhete! Pegando da mão do menino. Entre tantas coisas uma chamou a curiosidade da menina: “O amor caminha ao seu lado e está ao seu alcance”. O menino falou: - Eu acredito no que está escrito nesse bilhete.
A menina falou para o homem do realejo:
- O senhor não precisa tirar a sorte do boneco. Tira outro bilhete para mim que eu quero ter certeza da minha sorte e chamou o papagaio:
- Vitor! Vem pegar a minha sorte!
O papagaio repetiu: Sorte!...Sorte!...Sorte!...Sorte!... Depois saiu da gaiola e pegou outro bilhete para a garota, desta vez sem interferência dela. A menina esperou o Vitor carimbar o bilhete com duas bicadas e saiu para ler sozinha. Entre tantas coisas escritas, havia uma que não a deixou muito satisfeita: “O amor é como o sol, fica escondido atrás das nuvens e quando a gente menos espera, ele brilha aquecendo nosso corpo e satisfazendo os desejos da alma”. Ela teve uma sensação distante do amor e pensou: Eu não acredito no que está escrito nesse bilhete. Uma sensação de carência repentina percorreu o seu corpo e o seu coração, então ela correu e abraçou o menino por trás apertando-o com força e pedindo com carinho:
- Me deixa levar o Vitor um pouquinho! Pegou os comandos do boneco na mão e falou:
- Vem comigo! Eu quero que você conheça a minha casa e caminharam juntos saindo da praça, ouvindo a música do realejo cada vez mais distante, sumindo e desaparecendo com o passar do tempo.
Zip...Zip...Zip...ZzipperR
Paulo Ribeiro de Alvarenga